As Carências do Diabético


Carente, do latim Carere, significa etimologicamente "ser falto de", "não ter", "não possuir". Contudo, por conhecido mecanismo de língua, chamado contaminação, surgem os sentidos extensivos, que ampliam o espectro semântico da palavra. Carente, hoje, além de significar "não ter", "não possuir", "ser falto de", significa também, e com muito mais freqüência, "necessitar", "precisar".
É que, em princípio, quem não tem, precisa. Essa contigüidade prática contamina, então, o sentido inaugural da palavra, que se vê semanticamente opulentada, com indiscutível ganho lingüístico. Por isso mesmo, tanto quanto um deficiente físico, o portador de doença crônica, em geral incurável, é carente : neste é falta de saúde; naquele, de uma parcela do seu esquema anatômico.
A carência, porém, não opera da mesma forma nos dois casos: com o deficiente físico, as restrições que enfrenta, quer funcionais, quer estéticas, são estáveis, à revelia do vulto que possam assumir.
Tal estabilidade permite, na maioria das vezes, a aceitação da deficiência e a conseqüente adaptação às limitações práticas, do que decorre, não raro, a obtenção da felicidade, sentimento superior que impõe o apagamento de todas as diferenças, nivelando as criaturas no patamar mais alto da excelência de sua condição humana.
Já com o paciente de doença crônica, a constante ameaça de agravamento da enfermidade incurável lhe exige vigilância permanente e onerosa, por isso que inclui, em muito casos, não só atividades físicas específicas, mas também severas limitações dietéticas e medicamentosas ininterruptas. O diabetes, doença crônica grave, impõe, por toda a gama de peculiaridades, a identificação nítida de dois grupos de pacientes: o diabético carente por desnível social, de parco poder aquisitivo, que, uma vez motivado a conseguir boa saúde, dedica o melhor dos seus esforços para a obtenção gratuita dos remédios e exames específicos, procurando as associações de diabéticos ou os serviços especializados dos hospitais públicos, que, em geral, fornecem a medicação prescrita por suas equipes médicas. Sem dúvida, as carências deste grupo são mais facilmente trabalhadas, pois sua expressão maior está no âmbito material: exames, remédios, alimentação adequada, etc.
Não é o que ocorre com o segundo grupo, constituído de pacientes cujo alto poder aquisitivo, da maioria deles, lhes assegura a pronta e plena satisfação das necessidades materiais. São pacientes de trato difícil; o equipamento psicológico mais complexo suscita especulações e indagações, normalmente irresponsáveis, que acirra o sentimento de revolta indefinida, decorrente da absoluta incapacidade de resolução de seus males a poder de dinheiro. Essa incapacidade se volta, como forma de vingança compensatória, contra toda e qualquer limitação que a moléstia lhes imponha, inclusive - e muito especialmente - contra o médico, que é, em verdade, a expressão mais abalizada dos restrições que o progressos científicos impõem. Essa insubordinação declarada e acintosa é, em geral, a lastimável causa da incidência comum de complicações degenerativas, das mais simples às mais graves, como, por exemplo, a gangrena diabética.
Se, com os componentes do primeiro grupo a ajuda material é de grande valia, para os do segundo grupo a assistência psicológica é o caminho mais curto para ser bem trabalhada a carência afetiva, a falta de auto-estima, sentimentos que avultam o caráter do paciente diabético e que, por isso, interessam não só a ele, mas também - e em alta dose - ao grupo familiar.
A saúde é uma conquista diária, cujo afrouxamento é a derrota e, por sinonímia, a morte. Viver bem com o diabetes é, sem dúvida, tarefa difícil, mas conviver com suas complicações crônicas é certamente muito pior. O bom controle evita as complicações e permite uma vida saudável, cheia de realizações.
Este artigo é, então, um alerta e um chamamento: ajude o diabético a saber que é diabético e que ser diabético bem controlado não é o fim-do-mundo; é, ao contrário, o aproveitamento altamente gratificante do portentoso milagre da vida, apenas com um "tantinho" mais de trabalho.
* Dr. Rogério de Oliveira é membro da Sociedade Brasileira de Diabetes e paciente diabético.

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